quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Cansaço: poema de Oliverio Girondo

Cansado.
Sim!
Cansado
de um usar um só baço,
dois lábios,
vinte dedos,
não sei quantas palavras,
não sei quantas recordações,
grisalhas,
fragmentadas.

Cansado,
muito cansado
deste frio esqueleto,
tão pudico,
tão casto,
que quando se desnuda
não saberei se é ele mesmo
que usei enquanto vivia.

Cansado.
Sim!
Cansado
por precisar de antenas,
de um olho em cada omoplata
e de uma cauda autêntica,
alegre,
desatada,
e não desta cauda hipócrita,
degenerada,
pequena.

Cansado,
sobretudo,
de estar sempre comigo,
de me encontrar a cada dia,
quando termina o sono,
ali, onde me encontro,
com o mesmo nariz
e com as mesmas pernas;
como se não desejasse
esperar a baixa maré com uma cútis de praia
oferecer, sob o orvalho, os seios de magnólia,
acariciar a terra como um ventre de lagarta
e viver, uns meses, dentro de uma pedra.

tradução: Jefferson Bessa