quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Na sombra: um poema de Dámaso Alonso



Sim: tu me procuras.

Às vezes à noite te sinto ao meu lado
quando me vigias
quando me queres apalpar,
e minha alma se agita junto ao terror e ao sonho,
como um couro de cabrito, preso a uma estaca,
que sentisse a onda sigilosa do tigre
e o inútil golpe que não ardeu a carne,
e que se extinguiu no ar escuro.

Sim: tu me procuras.

Tu me observas, escuto teu ofegar ardente,
teu movimento de besta que se fere por entre os galhos,
sinto na sombra
teu imenso corpo branco, sem olhos, que retorna
igual a um iceberg que sem rumor se transforma em
água salobra.

Sim: tu me procuras
Torpemente, furiosamente cheio de amor me procuras.

Não me digas que não. Não, não me digas
que sou náufrago solitário
como esses que de repente veem a escuridão
aberta pela brasa de luz de um grande navio,
e o coração triunfa de gozo e de esperança.

Mas com grande fôlego
passa, roça devagar e se afasta na noite
indiferente e surdo.

Diz-me, diz que me procuras.
Tenho medo de ser náufrago solitário
medo de que me ignores
como ao náufrago ignoram os ventos que o batem,
as nebulosas derradeiras, que, sem ver, o contemplam.

Tradução: Jefferson Bessa

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