domingo, 22 de novembro de 2009

Um trecho do poema Os cegos de Cassiano Ricardo


Se ainda houver lâmpada
para nosso nervo óptico,
que importa olhar a vida
por um olho exótico?

Ou ficamos assim,
de olhos ocos, à espera
de grande primavera?
ou de algum outro fim?

Temos os olhos ocos
como os das estátuas.
Temos os olhos loucos...
Que fazer agora?

Pedir à terra, ao menos,
que um dia nos coloque,
nas órbitas vazias,
duas rosas frias?

(...)

Temos os olhos ocos
e o espelho em que se esconde
nossa triste figura
já não nos responde.

O mal não é estar cego
por não ver as coisas.
Não é ter olhos ocos
porque comemos, loucos,

uns aos olhos dos outros.
É o de quem vê as coisas
sem saber que está cego.
É o de quem está morto

sem saber que morreu.
É o de quem carrega
o seu próprio enterro,
sem saber que é o seu.

É o de quem vê tudo,
as cores, as figuras,
mas tem, dentro de si,
uma estrela cega.

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