quinta-feira, 29 de julho de 2010

Um dia de primavera: um poema do chinês LI PO

Li Po entoando um poema
(Liang K'ai, meados do século XIII, tinta sobre papel)

Nossa vida no mundo é apenas um grande sonho.
Então, para que nos atormentarmos?
Prefiro beber o dia inteiro,
e ficar deitado à sombra.

Ao acordar, olho em redor:
um pássaro gorjeia entre as flores.
Rogo-lhe que me informe
sobre a estação do ano, e ele responde
que estamos na época em que a primavera
faz cantarem os pássaros.

Como principiava a enternecer-me,
recomecei a beber,
cantei até a lua chegar
e de novo tornei a perder a noção das coisas.


tradução de Cecília Meireles

4 comentários:

Teté M. Jorge disse...

"Nossa vida no mundo é apenas um grande sonho."

Que interessante esse pensamento... gostei muito do poema chinês e da tinta sobre papel.

Beijos.

Everardo Norões disse...

Prezado Jefferson:
Gostaria de abrir um parêntesis para fazer algumas observações sobre o“encontro” entre
os três grandes poetas: Li Po, Tu Fu, Cecília Meireles, no livro traduzido por nossa grande poetisa.
A comparação entre as transcriações do poema
Bebendo sozinho ao luar
revela certas divergências de tradução/transcrição/interpretação.
O pichel não é jarro, mas o recipiente com o qual
se recolhia o vinho do tonel. Ou seja, não é uma taça na qual
nós, ocidentais, costumamos brindar e beber.
O poema diz que “é em vão que a sombra me segue”.
Na transcrição de Cecília Meireles, lê-se:
“minha sombra imita o que faço”.
Quando o poeta canta, a lua flana (e não, vacila).
E a sombra se diverte (e não, se agita).
No cotejo das transcriações do poema de Du Fu,
O lago de Kuang-ming, feitas
pelo sinólogo francês Marquis d’Hervey Saint-Denys (em 1862)
e por Cecília Meireles também é possível descobrir
situações parecidas.
Cecília Meireles faz alusão ao espelho da Fiandeira celeste.
Ocorre que “Fiandeira” nada significa na tradução:
Fiandeira é, de fato, o nome dado pelos chineses à constelação da Lira.
Segundo o sinólogo francês,
a Fiandeira está na origem de muitas lendas chinesas.
Por isso, na beira do lago que dá nome ao poema
há uma estátua que a representa com um fuso na mão...
Por fim, verifiquei que o livro é póstumo, baseado em anotações de Cecília Meireles, reunidas por Alexei Bueno.Não há uma leitura crítica. Mas isso não tem muita importância, a transcriações feitas por ela são belíssimos poemas.
Um abraço amigo,
Everardo Norões

Jefferson Bessa disse...

Caro Everardo, de primeira receber estas informações aqui no blog. As informações sobre o poema Bebendo sozinho ao luar trouxeram mais cores ao poema, que para mim é um dos mais belos do livro. Concordo, Everardo, apesar destas observações, as transcriações feitas por Cecília proporcionaram belos poemas.
Um abraço.
Jefferson.

Márcia disse...

Sempre quis ler Li Po por Cecília Meireles. Sabia que ficaria encantada...Abraços literários e literais. Poderíamos trocar figurinhas de blogs, não?