domingo, 16 de maio de 2021

O BANQUETE: poema de Cassiano Ricardo

 


     Em meu quarto, o silêncio,
e a lâmpada que me divide em dois.
O meu quarto é mais pobre que o de Jó;
duas vezes eu e uma lâmpada só.

     No salão do vizinho,
que não me convidou, a mesa alva;
e os convivas bebendo um vinho triste.
Será sangue de Orfeu? lácrima-crísti?

     Porém, se o vinho é triste,
há estrelas líquidas em copos altos,
que cintilam, qual geométricos lírios,
erguidos no ar à hora dos delírios.

     Sinto-me bem, assim,
não convidado, pois não bebo estrela
nem sangue; sou enteado da alegria.
A tristeza é o meu pão de cada dia.

     Seria eu, na festa,
um insulto aos demais, algo de cômico.
Uma pedra aos que têm, no ombro, uma asa.
Um carvão, quando tudo, ali, é brasa.

     Sinto-me bem, porque
sou um cacto com folhas de silêncio.
Não troco por nenhum gole de vinho
este meu ser noturno e submarinho.

     Que só me cheguem, pois,
o terrincar das taças, o confuso
gorjeio das bacantes. Só me agrada
beber - rosa num copo - a madrugada.

     Ah, se soubessem, todos,
o bem que me fizeram, excluindo-me
do banquete - o mais lógico dos olvidos -
ergueriam um brinde aos excluídos.

Do livro "Arranha-céu de vidro". In: Poesia completas
.


Nenhum comentário: