sexta-feira, 29 de junho de 2012

O amanhecer das criaturas: poema de Lêdo Ivo




O dia forma-se
de quase nada:
um seio nu
por entre pálpebras,

o sol que raia
e a luz acesa
no arranha-céu
que a aurora lava.

A mão incerta
deixa na rósea
carne dormida
o gesto equívoco.

Tudo é lilá
na luminosa
e vã partilha.

No dia imenso
nascem tesouros:
curvos, redondos.

O pão à porta,
depois o leite,
e o erguer dos corpos.

do livro: Os cem melhores poetas brasileiros do século (Org.  Pinto, J. N)

3 comentários:

ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

"o dia forma-se / de quase nada" - só essa imagem vale o poema

Teté M. Jorge disse...

Translúcido poema...

Bom fim de semana.
Beijo carinhoso.

Unknown disse...

Pensem num amanhecer dentro do apartamento e fora dele. A mão incerta pode ser a do Criador, entre a madrugada e a noite, e a mão incerta do amante numa alcova. Tudo é lilá dentro do ap. pela luz do abajur e pode ser o lilâ da manhã nascendo. Fora nascem os tesouros, montanhas, a terra,as cúpulas. Dentro, as formas do corpo feminino. O pão e o leite nas portas das casas; e a oferenda do corpo, o gozo e os amantes se levantando.